Manuela não
acreditava no amor. Também não acreditava em gnomos, carros ou dentistas. A
verdade é que simplesmente não acreditava. Fosse no que fosse. Aliás, Manuela
não tinha nome. Não de nascença, pelo menos. O “Manuela” surgiu já muito tarde
em sua curta vida. Somando-se o facto de não acreditar no amor, pode muito bem
ter sido culpa do nome que lhe fora impingido, à revelia, a verdadeira causa do seu trágico
fim. Quem poderá afirmar com toda a certeza?
Nasceu em África,
numa época em que a escravidão era facto corriqueiro e aceite. Nunca conheceu
os pais. Não que isso fosse motivo de incômodo. De onde vinha, pais e filhos
era um conceito tão alienígena quanto imaginar um homem das cavernas na Lua.
Onde cresceu, sobreviver era mais importante e, contra todas as expectativas,
vivia.
Infelizmente há
males que não podem ser evitados, mesmo quando não se acredita neles.
Aconteceu que um
marinheiro, de passagem pela região onde Manuela costumava lagartear ao sol, ao ver seu belo corpo nu, não conteve sua cobiça e tomou-a para si,
levando-a para longe de África num negreiro de partida para Lisboa.
Sobrevivente de
muitas viagens, o marinheiro deixara toda sua sorte no navio, pois que em terra,
as cartas foram sua perdição. Acabou por ter de vender Manuela, até então sem
nome, pois mesmo verdadeiramente afeiçoado, nunca passou-lhe pela cabeça que ela precisava de
um.
Apesar de todos
os carinhos que o marinheiro ofereceu-lhe durante o tempo em que estiveram juntos, Manuela continuava sem acreditar no amor. Pode-se dizer que ser vendida teve algo a ver com isso, claro. Mas a verdade é que era-lhe
impossível acreditar no amor. Ou no que quer que seja. Manuela era assim simples.
Por fim, acabou
por ir viver à casa de uma rica família lisboeta. Fora comprada para fazer companhia
ao filho mais velho, João. Entretanto, por ser considerada um animal
selvagem, era mantida o tempo todo prisioneira em uma gaiola. Nada mais do que uma atração por sua exótica beleza.
Fora de João a
ideia de batizar-lhe Manuela. Dera-lhe o nome de sua irmã, com a clara intenção
de irritá-la. Entretanto, o único irritado com toda a situação era o gato da família, sempre a
rondar a jaula e a bufar para Manuela, tentando agarrá-la por entre as barras de sua prisão. A irmã de João compadeceu-se e
passou a amar Manuela como se fosse uma irmã, sempre protegendo-a das garras do gato.
Certo dia, às
escondidas, Manuela, a irmã de João, libertou a pequena Manuela, a prisioneira,
de sua prisão. Puxou-a para seu colo para acariciá-la, num ímpeto de demonstrar-lhe
todo seu amor. Mas Manuela não acreditava no amor e fugiu correndo pela porta,
dando de caras com o gato.
E este foi seu
triste fim, pois o gato, muito gordo e ainda mais malvado, comeu Manuela, que afinal
nem era ela, mas antes e tão somente, um pequeno lagarto.